Processo 0052813-58.2024.8.26.0100 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Pedido de Providências - Reclamação do extrajudicial (formulada por usuários do serviço) - R. A. Q.- (...) Tabelião de Notas da Comarca (...) - Juiz(a) de Direito: Fernanda Perez Jacomini VISTOS, Cuida-se de pedido de providências do interesse da cliente da Sra. Representante, encaminhado por e-mail, noticiando a exigência de duas escrituras públicas para lavratura de dois Termos de Renúncia de Direitos Hereditários por parte do (...) Tabelionato de Notas (...), a qual entende ilegal. O Senhor Titular prestou esclarecimentos à fls. 08/10. Sobreveio manifestação pela Sra. Representante, reiterando os termos de sua insurgência inicial (fls. 17/21). Ainda, juntou requerimento de concessão do benefício da gratuidade de justiça realizado nos autos de nº 0704284-11.2023.8.07.0009, em trâmite perante a 1ª Vara da Família e de Órfãos e Sucessões de Samambaia, no Distrito Federal, do qual não há notícia de deferimento. O Ministério Público ofertou parecer opinando pela ausência de irregularidade na atuação do Sr. Delegatário, inexistindo providências a serem tomadas na seara censório-disciplinar (fls. 29/31). Determinei à interessada que apresentasse documentos demonstrando a suposta exigência de duas escrituras públicas, ao que juntou trocas de e-mails entre a Serventia correicionada e a Sra. Advogada reclamante (fls. 35/36). Instado a se manifestar, o Sr. Tabelião reiterou que o cerne da questão é a cobrança de dois atos notariais, a qual entende devida (fls. 46/49). O Ministério Público reiterou seu parecer (fl. 54). É o breve relatório. Decido. Trata-se de representação na qual a interessada alega terem sido exigidas pelo Sr. (...) Tabelião de Notas duas escrituras públicas com as respectivas cobranças de emolumentos para situação que entende ser suficiente somente uma escritura. Inferese da detida leitura dos autos que a Sra. Representante contatou a Serventia Extrajudicial, por e-mail, solicitando a lavratura de “escritura de renúncia de herança” a ser firmada por sua cliente. Conforme fl. 38, percebe-se ter sido cotada escritura para uma renúncia à herança, porém, ao ler a minuta da escritura, a reclamante informou que a parte patrocinada na verdade renunciava à herança de ambos seus genitores. Em razão disso, a escrevente do tabelionato informou que providenciaria outra minuta, sendo que “cada uma fica R$ 567,00”. Questionada pela reclamante, a preposta esclareceu que “A renúncia é por falecido, nesse caso serão 02 escrituras”. Na manifestação do Sr. Titular, contudo, constata-se seu entendimento de que, por se tratarem de duas sucessões distintas, ainda que tramitadas em conjunto, incide a cobrança de emolumentos por dois atos notariais, um para cada renúncia, embora possam ser instrumentalizados em um único instrumento (fls. 08/10). Apesar dos esclarecimentos prestados, a Sra. Representante manteve sua insurgência. O Ministério Público opinou pelo acerto da posição do Sr. Notário, por considerar serem atos distintos e autônomos as respectivas renúncias, embora instrumentalizáveis em uma única escritura pública. Ainda, o Sr. Tabelião invocou o art. 29 da Lei nº 11.331/02 para formular consulta incidental sobre a aplicação da referida lei e suas tabelas. Pois bem. Assiste razão ao Senhor Titular. Todavia, deveria ter sido mais transparente no atendimento prestado à Sra. Representante, visto que de fato houve inicialmente menção à lavratura de duas escrituras públicas. Sendo assim, deveria ter esclarecido à reclamante que por se tratarem de dois atos notariais seriam cobrados os emolumentos de duas escrituras, embora instrumentalizáveis em apenas uma. Certamente evitaria fatos semelhantes e a confusão ocorrida neste expediente. Primeiramente, consigno que a matéria posta em controvérsia no bojo dos presentes autos é objeto de apreciação no limitado campo de atribuição desta Corregedoria Permanente, que desempenha, dentre outras atividades, a verificação do cumprimento dos deveres e obrigações dos titulares de delegações afetas à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos da Capital. Impende destacar, ainda, que este Juízo administrativo não atua de forma consultiva ou abstrata, devendo a interessada apresentar representação formal em face de questão pontual ou, alternativamente, em casos de dúvidas legais, referir-se aos meios adequados. Tendo a parte reclamante afirmado a exigência em concreto de duas escrituras públicas para as duas renúncias, entendo configurado que a parte se insurge em face de falhas e exigências supostamente indevidas relativas aos serviços notariais prestados à Sra. Representante e sua cliente, inclusive reclama de cobrança indevida de emolumentos pelo Sr. Tabelião, de modo que passo a analisar a contenda. Outrossim, por não se tratar de procedimento administrativo de consulta escrita, deixo de apreciar o pedido do Sr. Tabelião fundamentado no artigo 29 da Lei Estadual nº 11.331/02. Portanto, diante do caso em tela, esclareço à Sra. Representante que as custas extrajudiciais são cobradas em razão do serviço prestado, de modo individualizado, com clara natureza tributária de taxa, não havendo compensação entre usuários ou partes. Veja que o artigo 1º da Lei Estadual nº 11.331/2002 indica exatamente que o fato gerador do tributo é o serviço notarial ou registral prestado, individualizando-o: Artigo 1º - Os emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e serão cobrados e recolhidos de acordo com a presente lei e as tabelas anexas. Nesse sentido, leciona Paulo de Barros Carvalho: Anuncio, desde logo, que perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada “emolumentos”, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa. (CARVALHO, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05/06/2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo - SINOREG/SP. Disponível pelo site:
https://www.Anoregsp.Org.Br/pdf/Parecer_PaulodeBarrosCarvalho.Pdf.). Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito: “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. (...) 4. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução - do Tribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. (...)” (ADI 1444, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003). Portanto, considerada a correlação entre o serviço prestado e os emolumentos que o remuneram, bem como ser cediço que os emolumentos são devidos conforme a quantidade de negócios jurídicos celebrados em uma mesma escritura, a lógica é que as custas extrajudiciais devidas pela lavratura de escritura pública que contenha mais de um ato notarial sejam superiores àquelas previstas para somente um ato. Nesse sentido, rememoro à Sra. Representante, Advogada, que a Lei nº 11.441/07 possibilitou a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensual pela via administrativa, sendo disciplinada a lavratura dos respectivos atos notariais pela Resolução CNJ nº 35/2007, ainda vigente, ao passo que o inventário extrajudicial consta do art. 610, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil. Todavia, somente o art. 17 da resolução trata da renúncia, estabelecendo que “os cônjuges dos herdeiros deverão comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe em transmissão, exceto se o casamento se der sob o regime da separação absoluta”. No art. 4º desta Resolução consta que o valor dos emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados, “conforme estabelecido no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.169/2000, observando-se, quanto a sua fixação, as regras previstas no art. 2º da citada lei”. Por sua vez, o art. 1º mencionado possui a seguinte redação: Art. 1oOs Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei. Parágrafo único. O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. Nessa linha, estabelece o art. 2º da mesma lei: Art. 2oPara a fixação do valor dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro, atendidas ainda as seguintes regras: I - os valores dos emolumentos constarão de tabelas e serão expressos em moeda corrente do País; (grifos nosso) No Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 11.331/02 regulamenta a matéria. Em suas Notas Explicativas, mormente a “Nota 3 - Vários bens, direitos ou atos na mesma escritura”, em seu item 3.1.1., consta que “nas escrituras de permuta (...) ou de partilha, o cálculo deverá ser feito por pagamento, obedecendo os critérios dispostos nesta lei, quando ao interessado for atribuído mais de um bem ou direito, salvo disposição em contrário aqui prevista”. Semelhantemente, na nota 3.2. consta que “As escrituras de venda e compra e cessão consubstanciam dois negócios jurídicos, devendo o cedente eo adquirente pagar as despesas integrais de cada negócio”. Ademais, o item 3.1. Dispõe que nas escrituras de transmissão os emolumentos levam em conta o valor dos direitos transacionados. Percebe-se que a Lei nº 11.331/02 não possui disposição específica sobre os atos de renúncia de herança instrumentalizados por escritura pública. Para tais situações o item 79.2 do Capítulo XVI das NSCGJ esclarece: 79.2. Enquanto inexistir previsão específica dos novos atos notariais na tabela própria anexa à Lei Estadual nº 11.331, de 26 de novembro de 2002, a definição do valor dos emolumentos dar-se-á por meio da classificação dos atos nas atuais categorias gerais da tabela, pelo critério escritura com valor declarado, quando houver partilha de bens, considerado o valor total do acervo, e pelo critério escritura sem valor declarado, quando não houver partilha de bens (grifos nossos). Por conseguinte, tratando-se de renúncia abdicativa à herança, isto é, de renúncia plena, os bens não são partilhados ao herdeiro renunciante, de modo que são cobrados emolumentos correspondentes à escritura sem valor declarado. Como no caso se pretende abdicar à herança de ambos os genitores da interessada, existem duas renúncias a serem feitas: uma sobre os direitos sucessórios decorrentes do falecimento do genitor, como sua herdeira necessária, e outra sobre os direitos sucessórios decorrentes do falecimento da genitora, como sua herdeira necessária. Portanto, é evidente a existência de dois atos notariais no caso em comento. Afinal, ainda que exista inventário em trâmite na via judicial, tratam-se de duas sucessões que tramitam conjuntamente (por isso se diz inventário conjunto) e, logo, duas renúncias a serem feitas, instrumentalizáveis em uma única escritura pública. Nessa ordem de ideias, vide os Enunciados do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo: Enunciado nº 8 Pela Renúncia de Direitos Hereditários cobrar-se-á um ato sem valor declarado, por cada herdeiro que renunciar, mesmo que a renúncia seja feita no mesmo instrumento do inventário. Já a chamada renúncia translativa ou in favorem os emolumentos serão cobrados segundo a Tabela 1.Justificativa: na renúncia pura e simples ou abdicativa não há transferência de direitos, sendo o renunciante considerado como se nunca existisse. Tratamento diverso recebe a renúncia dirigida ou translativa, em que o herdeiro aceita seu quinhão e depois o transfere a beneficiário determinado. Nessa hipótese, a cobrança da transferência deve ser feita sobre o valor do quinhão transferido, sem prejuízo da cobrança pela escritura de inventário. (grifos nossos) Enunciado nº 9Nos inventários, divórcios e separações, quando houver excesso de quinhão ou meação, cobra-se um ato integral por cessão, sem prejuízo da cobrança pela partilha. Justificativa: o critério utilizado para cobrança dos emolumentos se baseia na quantidade de negócios jurídicos celebrados. (grifos nossos) Dessarte, igual solução de cobrança de um ato sem valor declarado por herdeiro que renunciar deve ser adotada para o caso em que um herdeiro renuncia a mais de uma herança. É mister salientar: cada sucessão corresponde a um negócio jurídico, ou melhor, cada renúncia à herança é um negócio jurídico unilateral e solene, de modo que para cada renúncia abdicativa são cobrados emolumentos referentes a uma escritura sem valor declarado. Além do mais, como destacado pelo Sr. Notário, ante o caráter tributário dos emolumentos, não é permitido ao Delegatário Extrajudicial conceder qualquer desconto ou isenção sem suporte em Lei, conforme disposição expressa do artigo 150, § (...), da Constituição Federal: Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. Com efeito, o Senhor Delegatário encontra-se adstrito à supramencionada Lei de Custas Extrajudiciais, nº 11.331/2002. Consequentemente, não demonstrada a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça nos autos do inventário judicial, a exigência de emolumentos para a prática dos atos notariais é de rigor, ressalvada à interessada comprovar seu direito ao benefício. Nada impede, por outro lado, que as renúncias às heranças ocorram por mandatário nos autos do inventário judicial, desde que constituído por instrumento público, consoante jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: A renúncia da herança é ato solene, exigindo o art. 1.806 do CC, para o seu reconhecimento, que conste “expressamente de instrumento públicoou termo judicial”, sob pena de nulidade (CC, art. 166, IV), não produzindo nenhum efeito, sendo que “a constituição de mandatário para a renúncia à herança deve obedecer à mesma forma, não tendo validade a outorga por instrumento particular (STJ, REsp 1.236.671/SP, Rel. p/ acórdão Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 09/10/2012, DJe de 04/03/2013). Ainda, conforme indicado pelo Sr. Tabelião, nos termos do art. 1º da Resolução CNJ nº 35/2007, é livre a escolha do tabelião de notas para a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário e partilha, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil. Não obstante, no Estado de São Paulo, não é incomum que os emolumentos de escrituras que contenham renúncias a mais de uma herança sejam cobrados nos moldes delineados, em virtude dos argumentos esposados. Bem assim, pelos fundamentos apresentados, a compreensão é de que o Senhor Titular agiu corretamente ao orçar escritura pública com valor de dois atos notariais sem valor declarado. Entretanto, falhou no atendimento, por não informar de maneira clara que independentemente de serem feitas as duas renúncias em uma ou duas escrituras, por se tratarem de dois atos notariais, cobrou emolumentos a eles respectivos. A falha na prestação do serviços, porém, foi pontual e ora devidamente esclarecida. Descabido, assim, iniciar procedimento administrativo contra o Senhor Delegatário em face de ocorrência apartada, atribuível a uma situação isolada e de gravidade reduzida, consignando-se os inúmeros atos a contento praticados pela Serventia Extrajudicial. Em razão do exposto, à luz dos esclarecimentos prestados, a hipótese dos autos não dá margem à adoção de providência censório-disciplinar em relação ao serviço correicionado, não se vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a abertura de procedimento disciplinar. Não obstante, consigno ao Senhor Delegatário que permaneça atento na orientação e fiscalização dos prepostos sob sua responsabilidade para que forneçam as informações necessárias ao processamento de pedidos de seu mister, detalhada e pacientemente, haja vista que o usuário do serviço extrajudicial, leigo no geral, desconhece os procedimentos cartorários, observando-se seus deveres funcionais de atendimento com presteza, eficiência, urbanidade e de observância aos estritos termos da Lei nº 11.331/02 e das tabelas e notas respectivas, devidamente atualizadas, de modo a evitar a repetição de fatos assemelhados. No mais, consigno à Senhora Representante inexistir nos autos quaisquer documentos que demonstrem a exigência de duas escrituras ou dois atos notariais com o custo de R$ 1.134,00 cada um, sendo equivocada sua leitura do e-mail de fl. 38. Nessas condições, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos, como opinado pelo Ministério Público. Encaminhe-se cópia desta r. Sentença à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício, para conhecimento e fins que considerar merecer. Ciência ao Senhor Delegatário, ao Ministério Público e à parte Representante. I.C. - ADV: (...) (Acervo INR – DJe de 31.01.2025 – SP)