A titularidade de um bem imóvel não pode ser alterada por uma averbação de Reti e Rat de união estável
Publicado em: 02/07/2025
Processo 1022050-23.2025.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1022050-23.2025.8.26.0100
Processo 1022050-23.2025.8.26.0100
Pedido de Providências - Registro de Imóveis - Elisabeth Yamada - Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. - ADV: HENRIQUE PRADO RAULICKIS (OAB 282117/SP) Íntegra da decisão: -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR – SENTENÇA
Processo nº: 1022050-23.2025.8.26.0100
Classe - Assunto Pedido de Providências - Registro de Imóveis Requerente: Décimo Cartório de Registro de Imóveis Requerido: Elisabeth Yamada
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de pedido de providências formulado pelo 10º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Elisabeth Yamada, diante de negativa em se proceder à averbação de escritura pública de retificação e ratificação, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 43.003 daquela serventia.
O Oficial informa que foi apresentada e protocolada pela requerente, sob n. 639.580, escritura pública de retificação e ratificação lavrada em 29 de janeiro de 2025, pelo 14º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 6.998, pág. 115), visando a alteração da data do início de sua união estável mantida com Vanderlei Donizetti Utiama, publicizada na Av.14 da matrícula n. 43.003 da serventia; que, conforme exposto na nota devolutiva do título, a alteração da data de início da convivência implicará (ou não) na comunicabilidade do bem, isto é, na segurança do ato que já foi concluído e produziu efeitos jurídicos, tratando-se, portanto, de ato jurídico perfeito e acabado, o qual somente poderá ser modificado por decisão judicial; que o título reingressou na serventia acompanhado de requerimento para suscitação de dúvida.
O Oficial esclarece que, em 11 de março de 2021, foi averbada na matrícula n. 43.003, a requerimento da interessada, escritura pública de reconhecimento de união estável lavrada em 25 de março de 2011, pelo 14º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 3.396, pág. 9), pela qual Elisabeth Yamada e Vanderlei Donizetti Utiama declaram conviver em união estável, desde 05 de novembro de 1986, sob o regime da comunhão parcial de bens; que o imóvel foi adquirido por Elisabeth Yamada em novembro de 2007, portanto, já na constância da união, passando a constituir patrimônio comum dos companheiros, nos termos do artigo 1.658 do Código Civil, haja vista o regime de bens convencionado por ambos na escritura de união estável (comunhão parcial de bens); que foram agora apresentados requerimento e escritura de retificação e ratificação para alterar a data do início da união, de 05 de novembro de 1986, para 05 de novembro de 2008, sob alegação de ter havido erro na lavratura da escritura anterior; que, todavia, a alteração pretendida modifica substancialmente a situação jurídica dominial do imóvel adquirido em 2007, que produz efeitos a partir da averbação da união estável efetuada em 11 de março de 2021, podendo inclusive prejudicar eventuais terceiros, vez que a data da união estável indicada na escritura de rerratificação é posterior à da aquisição do imóvel; que, logo, a averbação da alteração da data de início da união na matrícula do imóvel ensejará a exclusão do bem do patrimônio comum dos conviventes, pois no regime da comunhão parcial excluem-se os bens adquiridos antes da união (fls. 01/03).
Documentos vieram às fls. 04/32.
Em manifestação dirigida ao Oficial, a parte interessada, já impugnando a exigência formulada na nota devolutiva, aduziu que o óbice carece de embasamento jurídico, haja vista que a escritura pública de ratificação é dotada de fé pública e deve refletir em todos os demais documentos para que produza seus efeitos jurídicos; que, apesar de averbação da união estável se tratar de ato jurídico perfeito e acabado, não há impedimento para que a retificação seja deferida, visto que o convivente concorda com o pedido e não tem qualquer débito em face de terceiros para que o imóvel possa responder por eventuais dívidas; que, nestes termos, requer a reconsideração da nota devolutiva (fls. 13/15).
A parte interessada não apresentou impugnação nos autos (fls. 33).
O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice (fls. 36/37).
Nova manifestação do Oficial às fls. 43/45. É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO.
Inicialmente, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, Cap. XX, das NSCGJ).
No mérito, o pedido de providências é procedente, para manter o óbice.
A parte pretende a averbação de escritura pública de retificação e ratificação lavrada em 29 de janeiro de 2025, pelo 14º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 6.998, pág. 115), objetivando alterar a data do início de sua união estável mantida com Vanderlei Donizetti Utiama, publicizada na Av.14 da matrícula n. 43.003, do 10º Registro de Imóveis de São Paulo, de 05 de novembro de 1.986, para 05 de novembro de 2008 (fls. 21/22).
No caso concreto, verifica-se da matrícula n. 43.003 que, por força do registro do título aquisitivo, lançado sob o R.13/43.003, de 28 de novembro de 2007, Elisabeth Yamada, no estado civil de solteira, adquiriu a propriedade do imóvel (fls. 10).
Em ato seguinte, a requerimento da própria interessada, em 11 de março de 2021, procedeu-se à averbação da união estável na matrícula (Av.14/43.003), à vista da escritura pública de reconhecimento de união estável de 25 de março de 2011, lavrada pelo 14º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 3.396, pág. 9), pela qual Elisabeth Yamada e Vanderlei Donizetti Utiama declararam conviver em união estável, desde 05 de novembro de 1.986, sob o regime da comunhão parcial de bens.
Assim, uma vez efetuada a averbação, nos moldes do título que lhe deu origem, isto é, mediante a transposição das informações contidas no título, é possível aferir que o imóvel foi adquirido por Elisabeth, em novembro de 2.007, já na constância da união com Vanderlei Donizetti Utiama, passando a constituir patrimônio comum dos companheiros, nos termos do artigo 1.658 do Código Civil, haja vista o regime da comunhão parcial de bens convencionado por ambos na escritura pública de união estável.
A requerente busca, agora, averbar a escritura de retificação e ratificação, para alterar a data de início da união, de 05 de novembro de 1.986, para 05 de novembro de 2.008, por ter havido erro na lavratura da escritura pública de reconhecimento de união estável de 25 de março de 2011.
De fato, a alteração pretendida modifica substancialmente a situação jurídica da titularidade dominial do imóvel adquirido em 2.007, que produz efeitos "erga omnes" a partir da averbação da união estável efetuada em 11 de março de 2.021, podendo inclusive prejudicar eventuais terceiros.
Isso porque, a nova data da união estável indicada na escritura de rerratificação é muito posterior à da aquisição do imóvel. Logo, a averbação da alteração da data de início da união estável na matrícula ensejará a exclusão do bem imóvel do patrimônio comum dos conviventes, posto que no regime da comunhão parcial excluem-se os bens adquiridos antes do casamento (união estável).
Todo este histórico registrário, notadamente à luz do que determina o artigo 252 da Lei de Registros Públicos, no sentido de que “o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”, confirma a conclusão de que não há possibilidade de correção da titularidade do imóvel por meio de simples averbação da alteração da data de início da união estável com efeitos retroativos.
Em termos diversos, por se tratar de ato jurídico e acabado que produz efeitos jurídicos "erga omnes" há anos, na espécie, a data de início da convivência somente poderá ser modificada por decisão judicial.
Conclusão esta que também se reforça pela necessidade de tutela da segurança jurídica (artigo 1º da Lei n.6.015/73), a qual é um dos pilares dos registros públicos.
A segurança jurídica tem por função garantir que o tráfego imobiliário seja seguro e que terceiros possam confiar no sistema. Qualquer alteração que não observe os requisitos legais fragiliza a sua estrutura e a confiança que nele se deposita.
Destrate, o óbice registrário apontado pelo Oficial mostra-se correto, devendo ser mantido.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de providências, para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 30 de junho de 2025. Renata Pinto Lima Zanetta Juíza de Direito (Acervo INR – DJEN de 02.07.2025 – SP)