Não existe Divórcio Liminar unilateral no Extrajudicial
Publicado em: 26/06/2025
Processo 1046958-47.2025.8.26.0100
Espécie: PROCESSO
Número: 1046958-47.2025.8.26.0100
Processo 1046958-47.2025.8.26.0100 -– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Juiz(a) de Direito: Fernanda Perez Jacomini VISTOS, Trata-se de pedido de providências formulado pelo Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 22º Subdistrito desta Capital, em razão da impugnação pelo usuário em relação a negativa de lavratura de Escritura Pública de Divórcio Unilateral. A parte Representante habilitou-se nos autos e reiterou os termos de sua insurgência inicial (fls. 46/49). O Ministério Público ofertou parecer opinando pela manutenção do óbice registrário, cujo fundamento encontra sólido amparo nas normas e leis que regem a matéria (fls. 55/56). É o breve relatório. Decido. Cuida-se de pedido de providências formulado pela Senhora Interina do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas do 22º Subdistrito desta Capital. Consta dos autos que usuário solicitou à serventia extrajudicial, por meio de seu Advogado, a lavratura de Escritura Pública de Divórcio Unilateral, cujo ato só compareceria o cônjuge varão. O Cartório qualificou negativamente o ato, no sentido de que não há previsão legal para a realização extrajudicial do Divórcio se não existe plena e expressa concordância entre as partes. Noutra quadra, a parte interessada, não obstante as explicações apresentadas pela unidade extrajudicial, insiste na lavratura do instrumento notarial, no entendimento de que o divórcio é um direito potestativo, não havendo necessidade de concordância da parte contrária. Pois bem. Não se discute aqui a existência de direito ao divórcio, mesmo que unilateral, sem necessidade de concordância ou contraditório. Este Juízo está ciente das decisões judiciais a respeito. Contudo, nesta estreita via administrativa, é inviável o atendimento do pedido, conforme já bem fundamentado pela unidade extrajudicial e pelo Ministério Público. A Constituição Federal, em seu art. 226, § 6º, nada diz a respeito do assunto especificamente, devendo a norma ser interpretada. Nesse passo, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do tema 1053 (RE 1167478), afirma que "21. A reforma operada pela EC 66 /2010 maximiza o alcance e a eficácia dos direitos à liberdade, à igualdade, à felicidade, à vida privada, à autodeterminação, ao livre desenvolvimento da personalidade, em prol de uma viga digna, dispensando qualquer causa ou motivação e facilitando a dissolução do casamento.", sem tocar na questão de necessidade ou não do contraditório ou mesmo da possibilidade de divórcio unilateral de forma extrajudicial. A ausência de condições para o divórcio não implica, necessariamente, em ausência do contraditório. São conceitos diversos. Por sua vez, as Normas da Corregedoria Nacional da Justiça do CNJ (art. 441 e ss.), as Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Jsutiça de São Paulo (Subseção III, item 76 e ss.) e a legislação infraconstitucional aplicável à matéria são límpidas no sentido de que a utilização da via extrajudicial requer a consenso, concordância de ambas as partes para o ato pretendido. Além disso, a mencionada decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 2189143, não toca no assunto do divórcio extrajudicial, analisando apenas a possibilidade de divórcio liminar, sem necessidade de contraditório, no âmbito judicial. Nesse ponto, incabível a extensão do alcance dessa decisão do Superior Tribunal de Justiça ao âmbito extrajudicial, nessa estreita via administrativa, sobretudo em razão das diversas diferenças entre a atribuição dos cartórios de notas e a jurisdição tradicional. Apenas como exemplo, na jurisdição tradicional há diversas formas de citação da parte que formará o liame processual, inclusive por meio de oficial de justiça, possibilidade de recursos diversos e de manifestação da outra parte que poderá alegar alguma matéria relevante, tal como, eventual nulidade do matrimônio. Assim, não há que se falar em divórcio potestativo ou unilaterial perante a serventia extrajudicial. Na mesma medida, não cabe a esta Corregedoria Permanente autorizar a lavratura do ato, pela inexistência de legislação nesse sentido, ou realizar o suprimento da vontade expressa da cônjuge varoa. Assim o é porque esta Corregedoria Permanente atua de forma administrativa na verificação dos cumprimentos dos deveres e obrigações dos titulares de delegações afetas à Corregedoria Permanente desta 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, quais sejam, os Tabelionatos de Notas e os Registros Civis de Pessoas Naturais, desta Capital. Nesta via, portanto, não é possível a expedição de alvará para suprimento de vontade, ou instrumento similar, no sentido de autorizar o Cartório a lavrar o ato pretendido sem a presença da outra cônjuge, porquanto o caráter substitutivo de vontade é típico da atividade jurisdicional. Em outras palavras, não se insere nas atribuições deste Juízo Corregedor Permanente a prerrogativa de se sobrepor à incógnita vontade da parte contrária, tampouco de suprir sua anuência pela via administrativa ora em apreço. Tal conclusão encontra sólido amparo nas disposições normativas constantes do Decreto-Lei Complementar nº 03, de 27 de agosto de 1969, notadamente em seus artigos 34, 37 e 38. O referido diploma legal, ao organizar a Justiça Comum do Estado de São Paulo, delimita com precisão o escopo de atuação desta Corregedoria Permanente. Com efeito, a função precípua do Juízo Corregedor Permanente, à luz dos dispositivos supracitados, circunscreve-se à fiscalização e correição dos serviços judiciários, notariais e de registro, bem como à verificação do cumprimento dos deveres funcionais por parte dos serventuários e auxiliares da justiça. Destarte, questões que envolvam direitos personalíssimos das partes e que não estejam diretamente relacionadas ao funcionamento dos serviços sob correição devem, por imperativo legal, ser dirimidas pelas vias judiciais próprias, onde se assegure o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido, forçoso reconhecer que a pretensão na hipótese ora em tela não encontra guarida na esfera administrativa, devendo, se for o caso, ser submetida à apreciação judicial pela via adequada, em estrita observância aos princípios norteadores do devido processo legal. Bem assim, à luz de todo o narrado, nos termos da manifestação ministerial supra, mantenho o óbice registrário nos termos em que lançado, haja vista a ausência de previsão legal para a lavratura do ato diretamente perante a serventia extrajudicial e a ausência de atribuição deste Juízo Corregedor Permanente para realizar o eventual suprimento de vontade. Nessas condições, determino o arquivamento dos autos. Ciência à Senhora Designada e ao Ministério Público. I.C. (Acervo INR – DJEN de 30.05.2025 – SP)