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Usucapião de área menor que o módulo urbano

Publicado em: 23/12/2025
Apelação n° 1000100-22.2024.8.26.0187
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1000100-22.2024.8.26.0187
Comarca: FARTURA


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação n° 1000100-22.2024.8.26.0187
Registro: 2025.0001294396
ACÓRDÃO-– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1000100-22.2024.8.26.0187, da Comarca de Fartura, em que é apelante MUNICÍPIO DE FARTURA, é apelado LUCAS ROSSETO GIGLIOTI.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento, v u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES  DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 11 de dezembro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1000100-22.2024.8.26.0187
Apelante: Município de Fartura
Apelado: Lucas Rosseto Giglioti
VOTO Nº 43.978
Direitos reais – Usucapião de imóvel – Procedimento extrajudicial – Impugnação apresentada pelo município – Área inferior ao módulo urbano – Possibilidade – Natureza originária da aquisição – Impugnação rejeitada – Recurso desprovido.
I. Caso em exame. 1. Apelação interposta contra decisão que rejeitou impugnação oposta ao pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião. 2. O recorrente sustenta violação do Plano Diretor local, pois não observada a área mínima exigida pela legislação municipal, e que a usucapião não se presta a sanear loteamento clandestino. 3. A impugnação foi rejeitada pelo Oficial, decisão mantida pelo Juízo Corregedor Permanente.
II. Questão em discussão4. Definir se é possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel urbano com área inferior à mínima estabelecida no Plano Diretor, e se eventual irregularidade urbanística obsta a consolidação do domínio por meio de usucapião.
III. Razões de decidir. 5. A usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade, daí porque prescindir de conformidade com parâmetros urbanísticos estabelecidos para o parcelamento do solo. 6. O tamanho da área usucapienda não constitui requisito legal para o reconhecimento da usucapião. 7. A eventual irregularidade do parcelamento do solo não afeta o direito de propriedade originariamente adquirido por usucapião. 8. Negar a usucapião em situações símiles à examinada importaria perpetuar a situação de incerteza possessória, sem contribuir para a regularização urbana. 9. O pedido formulado pelo usucapiente não afronta a ordem jurídica, portanto, correta a rejeição da impugnação apresentada pelo Município.
IV. Dispositivo. 10. Apelação desprovida.
Tese de julgamento: 1. A usucapião, por ser modo originário de aquisição da propriedade, não se subordina aos limites de área fixados em legislação urbanística, sendo assim admissível seu reconhecimento em relação a bens imóveis urbanos de área inferior à mínima legal. 2. Eventual irregularidade do parcelamento do solo ou desconformidade urbanística não impede, por si, o reconhecimento da propriedade por usucapião.
Legislação citada: CC, arts. 1.238 e 1.243; Lei n.º 6.015/1973, art. 216-A; Lei n.º 6.766/1979;
Lei Complementar n.º 07/2012 (Plano Diretor do Município de Fartura), art. 96, § 2.º.
Jurisprudência citada: STF, RE n.º 422.349/RS, Min. Dias Toffoli, j. 29.4.2015; STJ, Tema Repetitivo n.º 985, REsp n.º 1.667.843/SC e n.º 1.667.842/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 3.12.2020; STJ, Tema Repetitivo n.º 1.025, REsp n.º 1.818.564/DF, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 9.6.2021; STJ, REsp n.º 1.902.942, rel. Min. Humberto Martins, j. 30.6.2025.
Trata-se de apelação interposta pelo Município de Fartura, irresignado com a r. decisão de fls. 167-168 que rejeitou a impugnação por ele oposta ao pedido de reconhecimento de usucapião extrajudicial formulado por Lucas Rosseto Giglioti.
Nas razões recursais de fls. 172-179, alega que o pedido afronta a legislação urbanística, ao deixar de observar a medida mínima definida no art. 96, § 2.º, da Lei Complementar n.º 07/2012, Plano Diretor do Município, não podendo a usucapião se prestar ao saneamento de desmembramento irregular.
O usucapiente, por meio da manifestação de fls. 188-193, apresentou suas contrarrazões.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer de fls. 204-208, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
1. O Município de Fartura questiona o pedido formulado por Lucas Rosseto Giglioti de reconhecimento extrajudicial da usucapião de bem imóvel com área de 189,66 m², integrante de um terreno maior cadastrado sob o n.º 4831, inscrito sob o n.º 0-01-01-01-0010-0000-02-0, alegando violar o Plano Diretor local e a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, ao ter área inferior à mínima exigida (fls. 103-105).
O lote usucapiendo, conforme levantamento da Prefeitura do Município de Fartura, não atende à fração mínima de parcelamento do solo urbano fixada no § 2.º do art. 96 da Lei Complementar Municipal n.º 07/2012, tampouco observa o padrão mínimo de testada exigido pela legislação local; além disso, está inserido em parcelamento clandestino, não aprovado, e configura desdobro irregular (fls. 107-110).
2.O pedido impugnado, por sua vez, está fundado nos arts. 1.238, do CC, e no art. 216-A, da Lei n.º 6.015/1973, em posse ad usucapionem, longeva, exercida, há mais de duas décadas, com animo domini, de forma pacífica e ininterrupta (fls. 3-12).
Encontra amparo, ainda, em justo título – compromisso de venda e compra de bem imóvel lavrado no dia 16 de junho de 1995 – e na sucessio possessionis (art. 1.243 do CC), pois a posse foi transmitida causa mortis ao requerente, por ocasião do passamento de sua genitora, promitente adquirente, Maria Roselim Rosseto (fls. 35-36 e 41-42).
De qualquer modo, se encontram preenchidos os requisitos para a usucapião extraordinária do art. 1.238 do Código Civil, que dispensa a exigência de justo título.
3.A impugnação foi rejeitada, de plano, pelo Registrador, com fundamento no item 420.3. do Cap. XX das NSCGJ, t. II. Entendeu- a, na hipótese vertente, infundada, reportando-se a precedentes do E. Supremo Tribunal Federal, do C. Superior Tribunal de Justiça e do MM Juízo Corregedor Permanente (fls. 141).
Na sequência, diante do recurso interposto pelo Município de Fartura (fls. 147-153), a decisão de rejeição da impugnação foi então mantida pelo MM Juízo Corregedor Permanente (fls. 167-168), cuja r. decisão é agora objeto da apelação de fls. 172-179, que, nada obstante o articulado, não comporta provimento.
4. Quanto ao objeto da usucapião, controverte-se sobre a possibilidade de sua incidência sobre bens imóveis rurais de área de superfície inferior ao módulo rural, ou sobre imóveis urbanos de área inferior à estabelecida na Lei do Parcelamento do Solo Urbano ou em leis municipais.
Prevalece, contudo, o entendimento, a ser prestigiado in concreto, de que, por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade imobiliária, a usucapião pode ser admitida nessas hipóteses, mormente quando se constata a consolidação de situação possessória antiga e estabilizada no tempo, sedimentada no plano fático.
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal Justiça, ao apreciar o Tema n.º 985, quando do exame do REsp n.º 1.667843/SC e do REsp n.º 1.667842/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 3.12.2020, estabeleceu a seguinte tese:
O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.
Trata-se de intelecção alinhada com os fundamentos do deliberado pelo E. Supremo Tribunal Federal no RE n.º 422.349/RS, Min. Dias Toffoli, j. 29.4.2015, quando se fixou a seguinte tese:
Preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).
Ora, com efeito, a obediência aos parâmetros urbanísticos previstos em lei, às posturas municipais, em especial, a observância do tamanho mínimo da área usucapienda, não é requisito da usucapião, por isso, não condiciona o seu reconhecimento, vale dizer, a declaração da aquisição da propriedade imobiliária.
5. Discute-se, ainda, a respeito de questões relacionadas a parcelamentos do solo clandestinos, ocupação de áreas de mananciais e de proteção ambiental, de risco ou inadequadas para moradias. Sob tal perspectiva, é preciso entender, porém, que eventuais ilegalidades dizem respeito à ocupação do solo, e não à declaração de propriedade.
Mostra-se pouco lógico, aliás, negar o reconhecimento da usucapião e, ao mesmo tempo, manter as posses sobre os bens imóveis irregulares, perpetuando situação de incerteza, quadro de insegurança e informalidade. A usucapião, a propósito, não gera a ocupação irregular do solo; constitui, antes, o primeiro passo para sua futura reurbanização e integração à ordem jurídica formal.
Nessa linha, o Tema Repetitivo n.º 1.025 – analisado pelo C. Superior Tribunal de Justiça por ocasião do REsp n.º 1.818.564/DF, rel. Min. Moura Ribeiro, j. 9.6.2021 – embora se refira a parcelamento do solo específico, firmou a tese da possibilidade de se usucapir terreno sem registro então situado em loteamento irregular, ainda que pendente a regularização.
Conforme ali assentado, "não se deve confundir o direito de propriedade declarado pela sentença proferida na ação de usucapião (dimensão jurídica) com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística)."
Admite-se, portanto, a aquisição por usucapião de imóveis situados em parcelamentos clandestinos ou irregulares, ainda que sem assento próprio na serventia predial, tal como recentemente reconhecido pelo C. Superior Tribunal de Justiça, no REsp n.º 1.902.942, rel. Min. Humberto Martins, j. 30.6.2025.
Em face desse panorama, impunha-se, de fato, a rejeição da impugnação oposta pelo recorrente, uma vez que as irregularidades urbanísticas existentes não infirmam o caráter originário da aquisição por usucapião nem afastam a consolidação da situação jurídica estabilizada no tempo.
Ante o todo exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (Acervo INR – DJEN de 17.12.2025 – SP)


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